quarta, 26 de janeiro de 2011

Opinião: Movimento queijeiro: a construção social da qualidade

Compreender o mercado como uma construção social não tem sido fácil para a esquerda, ideologicamente avessa à economia de mercado. No entanto, precisamos superar esse maniqueísmo dado por uma direita que endeusa e uma esquerda que demoniza o mercado. A queda do Muro de Berlim ensinou que o mercado é uma instituição em desenvolvimento, socialmente construída. O mercado como construção política e cultural implica uma construção social que depende da ação de produtores e consumidores, do Estado e da sociedade. Por isso, os movimentos sociais passam cada vez mais a centrar sua ação sobre o mercado, condicionando assim sua dinâmica e — claro — não deixando de agir sobre o Estado. Mas, ao tornar-se o Estado mais permeável às demandas populares, os movimentos buscam nele aliados em favor da democratização das políticas públicas tornando assim, mais justo o mercado e a economia. 
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O mesmo pode-se dizer em relação à qualidade, que também há de ser socialmente construída. Como exemplo, a questão dos nossos queijos, cujos critérios de avaliação da sua qualidade vão cada vez mais além das normas sanitárias de alimentos, incorporando também identidade regional e valores simbólicos, sejam eles ambientais, sociais ou culturais. Não sem razão, estão em alta os produtos artesanais, aqueles originários da agricultura familiar, os produtos coloniais, etc. No Brasil, apesar do grande potencial, a questão da construção social da qualidade ainda é pouco trabalhada. Mas o setor de queijos e laticínios provavelmente é o que mais avança. Pois a luta para viabilizar legalmente a produção de queijos artesanais no Brasil alcançou já importantes conquistas por conta do reconhecimento legal por parte do serviço de inspeção do estado tanto em Minas Gerais, com o queijo Minas Artesanal, como no Rio Grande do Sul com o queijo Serrano. Em ambos os casos, foi preciso uma ampla mobilização da sociedade, juntamente com universidades e políticos, para que o reconhecimento legal fosse conquistado. 
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A legalização do queijo artesanal significa reconhecer o valor da produção de queijos a base de leite cru, sem pasteurização, pois assim o leite conserva fermentos naturais que caracterizam o território e que de outro modo seriam perdidos. São dois conceitos distintos de qualidade, o industrial e o artesanal. O primeiro dá ênfase na produção de um leite asséptico — com máxima redução no número de bactérias — já à produção artesanal interessa cuidar da vida do leite estimulando a multiplicação das bactérias mas de modo a fazer com que prevaleçam aquelas que emprestam, no final, mais qualidade ao queijo. São dois paradigmas que na Europa foram ambos reconhecidos do ponto de vista legal ou oficial, por conta de um "reconhecimento mútuo" (não sem disputas) da legitimidade tanto da produção doméstica ou artesanal quanto da produção industrial. 
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No Brasil a construção do Suasa (Serviço Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária) representa algo semelhante, pois possibilita a comercialização em todo o território nacional da produção inspecionada com normas municipais ou estaduais. Significa isto que estamos passando de uma regulação centralizada dos produtos alimentícios para uma política normativa baseada no princípio do "reconhecimento mútuo". 
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Assim, aos poucos a lógica da qualidade pode superar a lógica produtivista e economicista baseada no menor preço, superando o mercado convencional, universalista, de produtos de massa e construindo o mercado da diversidade, que amplia a diferenciação da produção e as opções de escolha do consumidor.

*Christophe de Lannoy, agrônomo, mestre em 
Sociologia Rural; membro da Cooperiguaçu em Francisco Beltrão.

Fonte: Jornal de Beltrão
 

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